O repórter Joe Bosso, do Music Radar, publicou a mais extensa e detalhada resenha sobre o novo disco do Iron Maiden, “The Final Frontier”. Confira abaixo as impressões do repórter:
No 15º disco de estúdio do Iron Maiden, “The Final Frontier”, a veterana banda de Heavy Metal, com 35 anos de carreira, aparece com algo extraordinário, que poderia ser muito bem revolucionário (feito extraordinário dada a idade da banda): eles se reinventam – quer eles saibam ou não, quer eles tenham planejado ou não – e durante o processo, desafiam a noção do que o Heavy Metal, ou ao menos sua contribuição para o gênero, pode ser.
Em 2010 é um feito arrebatador. Quem esperava que o Iron Maiden, pioneiros da “NWOBHM” entre o fim dos anos 70 e começo dos 80, mudaria a arte novamente? Resposta: Não muitas pessoas exceto, talvez, seus fãs, e até eles podem ser surpreendidos pelo apogeu do grupo aqui.
Mais agressivo que o “A Matter of Life and Death”, de 2006, mas tão experimental quanto, o disco produzido por Kevin Shirley – gravado no “Compass Point”, nas Bahamas – onde trabalhos seminais, como “Piece of Mind” e “Powerslave”, foram gravados – tem sido descrito como “exigente”. Isto é um engano em certo grau, já que a música, assim como o cinema, funciona melhor quando as regras são quebradas e quando práticas aceitas são abandonadas. O Iron Maiden adicionou uma nova bifurcação na já bem caminhada estrada do Heavy Metal, e eles podem ter alterado o curso do gênero para melhor. Talvez os fãs realmente não estivessem esperando por isto, mas é que terão.
Pensem bem: Quantas vezes você assistiu a um filme ou ouviu um disco no qual você sabia exatamente o que iria acontecer de um momento para outro? Muitas vezes, e você se sentiu enganado e irá acontecer?” – e ainda assim ser positivamente arrebatado? Quase nunca. Mas nas raras ocasiões em que is acontece, você sairá fascinado, perplexo, excitado. A arte que provoca reações com estas, mais do que geralmente, passa no teste do tempo.
Em sua quarta década, o Iron Maiden criou um trabalho cheio de excitação hipnótica, estruturas não convencionais (são mudanças de forma de música em música e às vezes durante o curso de uma única canção) e visão vertiginosa. Então, se “exigente” significa que você pode não entendê-lo (e talvez este seja o ponto aqui), mas que certamente irá senti-lo, o grupo obteve um sucesso além de seus sonhos mais selvagens.
01. Satellite 15… The Final Frontier
Sem dúvida, uma abertura a la Jackson Pollack (Nota do tradutor: pintor norte americano do início do século XX, referência no movimento do expressionismo abstrato). A tribal e sinistra batida de Nicko McBrain sustenta ondas de desorientadas guitarras distorcidas, algumas agudas, outras rosnando e ronronando. Adrian Smith, Dave Murray e Janick Gers estão azeitando o motor… Envolvido já?
Um primeiro verso surreal – que abrange uma guitarra cheia de eco e vocais fantasmagóricos – guia a um fuzilamento de golpes rítmicos. Então, de repente – você irá checar se não pulou para a próxima faixa por engano – a canção muda para um poderoso Rock, ornamentado por dois incandescentes solos de guitarra.
Estranho? Absolutamente petrificante? Positivo. É quase como se o Maiden tivesse duas canções que decidiram juntar.
02. El Dorado
Após uma introdução com uma batida da banda toda, é o famoso baixo galopante de Steve Harris que informa ao ouvinte que isto é o Maiden de fato.
O grupo entra num animado e direto verso, contudo vigorosas e dissonantes linhas de guitarra entrelaçam-se. Não é antes do memorável refrão que a voz de Bruce Dickinson eleva-se até o seu tom, um tenor que te pega de jeito e que é sua marca registrada.
Um flamejante solo de guitarra de Dave Murray, cheio suaves “ligados” e “bends” que parecem querer arrancar as cordas, é um dos melhores momentos.
03. Mother of Mercy
Uma alegre introdução acústica, quase “o barroco encontra o progressivo” – pense na “Still… You Turn Me On”, do Emerson, Lake & Palmer, terá uma idéia de como é – acalma o ouvinte numa falsa sensação do que está por vir.
Dickinson canta com paixão e expressão sobre as atrocidades da guerra no primeiro verso, que ele deixa romper quando a banda derruba a muralha no segundo verso. Sombria e agourenta, a canção marcha adiante. Todavia, há uma grandeza no som que te suga. O ritmo é como uma onda gigante que te pega e te leva embora, e quanto mais longe você vai, mais estranho – e mais excitante – as coisas ficam.
Há dois solos de guitarra, mas é o primeiro (Dave Murray?) que evoca a alma “bluesy” de David Gilmour (Pink Floyd), que realmente impressiona.
Depois que Dickinson berra “Mother of mercy/Angel of death/Taking away my last breath,”, Nicko McBrain arranca e segue num padrão de bumbo duplo que despacha a canção com considerável verve.
04. Coming Home
As palavras “Iron Maiden” e “balada” envia arrepios de ceticismo à espinha, mas nesta inventiva composição o grupo entrega o que poderia ser um genuíno hino dos estádios.
Um arpejo de guitarra gentilmente nos desliza para um dramático verso temperado com “power chords”, e refrão. As letras de Dickinson sobre descer do céu e voltar para casa são pungentes e honestamente desprovidas de sentimento piegas.
Uma sinuosa batida de riffs progressivos é seguida por um encorpado e lânguido solo de guitarra, que abre caminho para um segundo solo que é está além do frenético.
Em 1980 ninguém poderia prever que os reis do NWOBHM iriam sair com uma balada com tanto comprometimento e serenidade, mas esta pérola prova o crescimento, 30 anos depois, é possível, sim.
05. The Alchemist
Você quer uma “old school”? Desde os primeiros segundos, com o que só poderia ser um dueto de harmonias de guitarra entre Adrian Smith e Dave Murray, isto é o velho Maiden, baby.
No geral, parece ser mais ancorada pelas guitarras rítmicas, e quando Nicko McBrain faz uma clássica virada, você se impressiona em perceber que ele se conteve em fazer isto durante todo o álbum… até agora.
Marcando 4:29, esta é a canção mais curta em “The Final Frontier”, mas é um delicioso e divertido passeio – como olhar um anuário escolar enquanto está no precipício do futuro. Oh, e há um inspirada base de riffs de guitarra dobrada que precede o refrão final – som e estilo que acenam e sorriem para dias que já se foram.
06. Isle of Avalon
Daqui em diante as canções ficam mais longas, mais viajantes e cheias de surpresas. A respeito disto, “Isle of Avalon” é abundante.
Um padrão de “hi-hat” range sob um baixo assustador e riffs de guitarra cheios de efeito, enquanto Dickinson sussurra o primeiro verso. Após um extenso e inquietante interlúdio, a banda decola em selvagens ziguezagues de passagens progressivas – é quase como um Maiden espontâneo, um Maiden “Jazz/Fusion”. Todos foram de cabeça nesta, e a telepatia musical que existe entre os integrantes, em mudanças de tempos não convencionais, é impressionante.
Um ardente solo de guitarra, que é quase reminiscente, em tom e ataque, da extensa sessão de solos de “Hangar 18” do Megadeth, mas há faíscas de inventividade e vitalidade aqui, que definitivamente o distingue como único.
Um falso refrão final é quebrado por explosões de linhas de guitarra, e só para ficar tudo em casa, McBrain bate com força em seus “tons”. Impressionante.
07. Starblind
É difícil de acreditar, mas as coisas ficam ainda mais estranhas na sétima faixa, que mostra um lado quase psicodélico da banda, que vinha, até agora, resistindo a tais influências.
Outra passagem aconchegante abre a música, mas é rápido – num segundo somos esmagados num vulcão de benevolência metálica. Mas espere, porque este passeio no inferno rapidamente muda de tempo e melodia e, como numa montanha russa, não lhe dá nem um minuto para pensar sobre por onde você acabou de passar.
As guitarras são construídas em intensidade todo o tempo; o som é brutal e cortante. Após um maravilhoso e bluesy solo, a banda para abruptamente e um novo e único riff emerge. Isto nos leva numa suruba de matança instrumental que é destruidora, para dizer o mínimo.
08. The Talisman
Enquanto você procura a definição de “talismã” (bom, para te poupar tempo: segundo o “Merriam-Webster”, é “um objeto usado para afastar o mal e trazer boa sorte” – bom tema para uma canção), apenas saiba que o Maiden apareceu com mais uma “bangueável” de proporções monstruosas.
Uma introdução com influências folk, sobre a qual Dickinson está no modo “Dickinsiniano” de contar estórias (ela mais declama o primeiro verso do que canta), é logo esmagada pela força pulverizadora da banda. Daqui para frente, Dickinson esfrangalha suas cordas vocais.
Sobre o arranjo, esta é um pastiche de “será que próxima parte pode superar esta?”, em alguns pontos não muito diferente do Rush. Um estranho solo de guitarra (Smith?) de quebrar a casa quase parece como um dos auges instrumentais, mas um segundo solo (Murray?) é banhado em blues melódico. De alguma forma, a combinação funciona maravilhosamente.
9:03, há uma riqueza de idéias misturadas na canção – e que se fosse qualquer outra banda, alguém diria que é muita informação – mas que o Maiden tira de letra. Fascinante.
09. The Man Who Would Be King
Uma cativante e ainda assim misteriosa guitarra acústica e elétrica, que lembra “One” do Metallica, abre o que se torna uma aniquiladora máquina de riffs, que apresenta um refrão grandioso.
Mais ao fundo durante a maior parte do álbum, as linhas do baixo de Steve Harris comandam a estrutura da canção. Mas aguarde! O que está acontecendo? De repente há uma inesperada (ou já poderíamos ter previsto nesta altura?) mudança no tempo no padrão de acordes, e somos imersos numa parte que lembra – não se assuste – “No line on The Horizon” do U2.
Emaranhados linhas de guitarra se amarram, e a banda detona com uma esmagadora subida, mas não antes de um solo de guitarra que logo será um clássico do Maiden.
10. When The Wild Wind Blows
Sem dúvidas, você já ouviu falar desta composição de quase 11 minutos, escrita somente por Steve Harris, e baseada na estória em quadrinhos de Raymond Brigg, de 1982, sobre um ataque nuclear na Inglaterra, mas nada pode lhe preparar para a aventura musical que o Maiden cozinhou.
A atmosfera é, no começo, cruel e malévola, com um preciso tempo marcial tocado em unissom. Liricamente estamos num território desagradável, mas é por ser próprio da natureza da canção.
De repente, a banda segue por uma passagem não distinta, em espírito e estrutura, da “The End” dos Beatles: cada guitarrista tem uma chance de fazer um solo, com novos tons, idéias, e melodias pipocando a cada segundo. Para o bem dos amantes das seis cordas (ou 18 cordas, como é o caso aqui), este é um banquete suntuoso.
O tempo marcial retorna e a banda, mais uma vez, segue numa multiplicidade de solos. É uma feitiçaria técnica de cair o queixo, mas cheia de paixão e raça.
Após um verso final, a visão termina… e uma rajada de vento nos traz à claridade. Que agito foi isto!
Fonte: Music Radar
Tradução: Imprensa Rocker