O jornal Folha de S. Paulo publicou uma entrevista com o guitarrista Adrian Smith sobre o novo álbum do Iron Maiden, Senjutsu. Confira!
Por Thales de Menezes
É quase impossível para um fã do Iron Maiden receber a notícia de um novo álbum sem começar a imaginar como será a turnê seguinte da banda britânica. Essa percepção é um tanto provocada pelo monstrengo Eddie, mascote do grupo desde os anos 1980. Figura entre o cômico e o assustador, com seu rosto de caveira, Eddie aparece na capa de cada novo disco, recebendo um figurino e um cenário diferentes. Desde o início da fama, os shows são celebrados religiosamente pelos fãs, que ficam aguardando o momento na apresentação em que um robô animado de Eddie deverá surgir no palco, a cada temporada mais gigante e sofisticado.
“Senjutsu”, o álbum que será lançado nesta semana, impõe aos admiradores da maior banda de rock pesado do planeta concentrar suas atenções apenas no áudio das dez faixas do disco. Vai ser preciso ter muita paciência até poder ver novamente o grupo em cima de um palco.
“Não sabemos ainda como será a retomada das turnês”, conta o guitarrista Adrian Smith, na primeira entrevista da banda à imprensa brasileira sobre o novo álbum. “Começamos a gravar o disco na França, ainda em 2019. Tivemos que adiar o lançamento, mas agora as músicas vão estar aí para todos ouvirem.”
Com 40 shows do Iron Maiden já realizados no Brasil, ele admite um relacionamento especial com o país. “Queremos voltar. É ótimo ir ao Brasil e tocar — e jogar futebol! Steve Harris ainda joga muito bem”, diz, rindo, o que levanta sérias dúvidas sobre o real talento futebolístico do colega. “Mas, falando sério, é frustrante ver a pandemia virar tudo de cabeça para baixo.”
Décimo sétimo álbum de estúdio do grupo, “Senjutsu” chega seis anos após o anterior, “The Book of Souls”. É o maior intervalo registrado até hoje entre discos da banda.
Segundo Smith, a hora certa de gravar é aquela em que você está com boas canções, simples assim. De acordo com o guitarrista, um novo projeto é encarado como dois desafios. “Tentar soar diferente do que já fizemos antes é a grande motivação, mas vem com a vontade de repetir a intensidade dos trabalhos anteriores.”
É inegável que o Iron Maiden busca rumos diferentes. As faixas mais recentes têm maior tempo de duração e existe um evidente esforço para ressaltar um tom épico. As canções rápidas e com temática tenebrosa estão dando lugar a músicas complexas.
Smith concorda que algumas canções de “Senjutsu” vão ser difíceis de ser reproduzidas ao vivo. Três delas ultrapassam os dez minutos de duração, e ele acha graça da piada corrente sobre o Iron Maiden estar fazendo canções cada vez mais longas para dar tempo a todos os guitarristas apresentarem seus solos. Além de Smith, Dave Murray e Janick Gers empunham guitarras e colaboram habitualmente nas parcerias das músicas, embora o baixista Steve Harris, dono da banda desde a sua fundação, e o vocalista Bruce Dickinson sejam os principais compositores. O baterista Nicko McBrain completa o time atual.
Dickinson já reclamou em entrevista que não gosta de ouvir tantas discussões sobre a presença de canções muito longas. Smith conta que desta vez até sentiu no grupo a vontade de retomar faixas mais curtas, como na antiga e conhecida fase de “The Number of the Beast”.
“Veja que ‘The Writing on the Wall’ tem seis minutos, ‘Days of Future Past’ tem pouco mais de quatro. Mas não há uma regra. Quando Bruce e Steve têm muitas ideias relacionadas a um tema, a coisa vai ficando maior, mas embalada em melodia, harmonia.”
Recentemente, a imprensa tem publicado que a guerra é o grande tema das letras desse novo álbum —mas Smith discorda. “Não sei se é tão correto assim”, afirma. “Creio que o foco está no mundo em turbulência, que já existia antes da chegada da pandemia, mas agora piorou tudo.”
Mesmo com a relutância em assumir “Senjutsu” como uma espécie de “A Arte da Guerra” do heavy metal, a impressão é reforçada ao ver o design da capa do disco, os videoclipes que começam a sair e a armadura de guerreiro medieval japonês envergada por Eddie.
“The Writing on the Wall”, lançada antecipadamente como single digital, com um clipe de animação, foi recebida com entusiasmo pelos fãs. “Ela tem um sentimento folk que a gente nunca tinha mostrado antes”, comenta Smith, autor da faixa ao lado de Dickinson. É uma entre algumas canções do álbum que podem ser tocadas nos shows ao lado de hinos do metal como “The Number of the Beast”, “Fear of the Dark” ou “2 Minutes to Midnight” com igual impacto, sem que o pandemônio pesado habitual do Maiden seja quebrado.
Smith e Dickinson escreveram juntos mais duas faixas do disco, "Days of Future Past", e "Darkest Hour". Ele diz também gostar muito de “Stratego”, escrita por Harris e Gers, descrevendo a faixa como “a really cool song” — ou uma música muito legal.
Há muitas músicas no novo disco com potencial para ganhar espaço no panteão da banda. Falando sobre o legado de Iron Maiden, voltando seu olhar a todos os álbuns, Smith não enxerga nenhum deles com críticas severas. “Às vezes você tem uma música aqui ou ali que não foi realmente um acerto, mas todos os discos me parecem valiosos a cada época, cada um de modo próprio”, comenta.
Além de arrastar o processo de pós-produção do disco, a pandemia cria esse enigma para a nova turnê. Em tempos normais, um cenário medieval japonês seria aposta forte para o visual nos shows. A incerteza é prejudicial à banda, que dedica muito tempo para a parte criativa e a logística de suas megaturnês, conduzidas no avião do grupo, muitas vezes pilotado pelo próprio Dickinson.
Smith diz que realmente não consegue adiantar nada sobre os próximos passos e lamenta que a vida profissional e pessoal de todos os integrantes continue regida pelos protocolos de saúde contra a propagação do coronavírus.
“Continuamos amigos, mas é natural que, de alguns anos para cá, a gente se encontre menos. A família de cada um vai crescendo, isso exige mais tempo. Mas, quando nos encontramos, o entusiasmo é o mesmo. Somos como irmãos que não precisam se ver sempre para continuar ligados. Enquanto acreditarmos que podemos fazer uma música nova e boa, estaremos juntos.”