Revista Veja: Música pesada para tempos duros

O polêmico jornalista da revista Veja, Sérgio Martins, que ficou famoso entre os headbangers, especialmente entre os fãs do Megadeth, em setembro de 2007 por seu artigo "A Direita do Rock" (Clique Aqui pra ler o artigo) publicou dessa vez um interessante texto sobre a relação do Heavy Metal com a crise econômica, não só no presente mas também no passado. Confira o texto!

Com turnês lucrativas e discos nas paradas, as bandas de
heavy metal compõem a trilha sonora da crise econômica.
E não será a primeira vez que isso acontece


Sérgio Martins - Revista Veja

Vocalista do sexteto inglês Iron Maiden – que desembarca nesta semana no Brasil para apresentações em várias capitais –, Bruce Dickinson encontrou uma definição hiperbólica para seu gênero musical. "O heavy metal é a ópera da classe operária", disse ele em entrevista a VEJA. Nem todo fã do rock pesado será um proletário. Mas esse é, sim, um público predominantemente masculino e de classe média baixa, sempre duramente atingido pelas crises econômicas. Com suas guitarras e sua gritaria, o heavy metal é o meio perfeito para essa turma ventilar frustrações. O gênero parece florescer com mais vigor em tempos difíceis. A nova onda do heavy metal britânico, na qual despontaram Def Leppard e Iron Maiden, surgiu no caos econômico-sindical da Inglaterra do fim dos anos 70 – que eclodiu com mais estrondo ainda no punk. E o auge do chamado "hair metal" – o hard rock xaroposo de bandas como Mötley Crüe – coincide mais ou menos com uma grande queda da bolsa americana, em 1987. A crise mundial detonada pela implosão do crédito americano pode estar impulsionando um revival metaleiro.

O show que o Iron Maiden traz agora para o Brasil esteve entre as cinquenta turnês recentes mais lucrativas dos Estados Unidos – nas quais se incluem outras bandas pesadas, como Kiss e Bon Jovi. Comercializado apenas na rede popular Wal-Mart, Black Ice, da banda australiana AC/DC, tornou-se um dos CDs mais vendidos no mercado americano em 2008 – e o segundo do mundo. O Metallica também vem frequentando as paradas com Death Magnetic. Haverá outras razões para o renascimento metaleiro – como o jogo Guitar Hero, que popularizou o rock pesado entre as novas gerações –, mas a crise talvez seja o fator determinante.

Quase toda a crise econômica do século XX teve sua trilha musical. O suingue das big bands animou os anos tristes da Grande Depressão, e a disco music amainou as angústias causadas pela alta do petróleo e pela inflação na década de 70. Na aparência, são gêneros muito diferentes – a discoteca, que teve origem em boates gays de Nova York, parece representar o oposto da masculinidade ostensiva de um show de metal. Mas há um ponto em comum: são músicas de grande apelo corporal. Houve várias danças frenéticas para acompanhar o suingue – caso do jitterbug, com seus tremeliques nervosos. As coreografias da disco ficaram famosas na interpretação de John Travolta (cujo personagem em Os Embalos de Sábado à Noite conhecia a dureza de perto). E o metal, embora não convide à dança, pede vigorosas sacudidas de cabeça. A música tem sua clara função catártica: quanto mais o corpo balança, menos sente o aperto econômico.

Os metaleiros contam com uma forte identidade de grupo, que proporciona abrigo em tempos de arrocho. O comportamento tribal, a indumentária de couro e rebites e os dedos erguidos para lembrar os chifres do "senhor das trevas" não contribuem para sua reputação. Mas Bruce Dickinson protesta: "Os fãs de rock pesado não são burros nem violentos. Isso é um estereótipo". A associação entre o metal e a violência é, de fato, equivocada – os fãs de metal raramente brigam em shows. Suas caras de mau disfarçam uma índole em geral pacífica. É a crise que é mesmo o capeta.

Fonte: VEJA